ATA DA VIGÉSIMA SEGUNDA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 04.08.87.

 


Aos quatro dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Vigésima Segunda Sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada a homenagear a Associação Nacional de Apoio ao Índio – ANAI, pela passagem de seu décimo aniversário de fundação. Às dezesseis horas, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Luiz Braz, 2º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo a presente solenidade; Sr. Assis Hoffmann, Presidente da Associação Nacional de Apoio ao Índio – ANAI; Sra. Cristina Vigiano, Vice-Presidente da Associação Nacional de Apoio ao Índio – ANAI; Sra. Ruth Bulhões, Coordenadora do KAAETE, mata virgem, movimento ecológico; Sr. Luiz Henrique Sacchi dos Santos, do Grupo KAAETE, mata virgem, movimento ecológico; Sr. Leonel Ricardo Tonnigs, representando o Secretário da Justiça e Ação Social, Sr. Ivo José Sartori; Prof. Mário Arnaud Sampaio, indigenista e pesquisador; Ver. Caio Lustosa, proponente da Sessão e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Ver. Caio Lustosa que, em nome da Casa, analisou o significado da criação da ANAI e seu trabalho na promoção do debate e da busca de soluções para o problema da exploração dos povos indígenas brasileiros. Salientou as dificuldades hoje enfrentadas por estas populações na busca de sua sobrevivência e o papel da nova Constituição Brasileira quanto ao assunto. Após, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Senhores Mário Arnaud Sampaio, indigenista e pesquisador, e Cristina Vigiano, Vice-Presidente da Associação Nacional de apoio ao Índio, que discorreram sobre a vida e a importância do índio brasileiro e o trabalho realizada pela ANAI nestes dez anos de sua constituição. Em continuidade, o Sr. Presidente fez pronunciamento relativo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a se dirigirem para a Sala da Presidência, convocou os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental, e levantou os trabalhos às dezessete horas e dezoito minutos. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Luiz Braz e secretariados pelo Ver. Caio Lustosa, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Caio Lustosa, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): Com a palavra o Ver. Caio Lustosa, que falará em nome desta Casa.

 

O SR. CAIO LUSTOSA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, componentes da Mesa, prezados participantes desta solenidade, em que se inclui, também, a SAMBRAS, Sociedade dos Amigos da Amazônia, presidida pelo Professor Berthier, aqui presentes; demais companheiros.

É este um ato bastante singelo em que, inclusive, por delegação das lideranças do Partido Democrático Trabalhista; Partido Democrático Social; Partido da Frente Liberal; Partido Comunista Brasileiro; Partido Comunista do Brasil; nós como requerentes da presente sessão pretendemos assinalar o transcurso do 10º aniversário de fundação da Associação Nacional de Apoio ao Índio. É um ato bastante singelo, mas que se nos parece de significação, pelo que representou a criação da ANAÍ há dez anos atrás, decorrente de um Seminário de alta significação cultural para Porto Alegre, e dizemos, mesmo, até para o País, pela significação que teve, e pela repercussão que teve o Seminário “O Índio e o Sobrevivente”. Iniciativa exitosa e tão rica, partida de figuras como Assis Hoffmann, aqui presente, hoje, e ainda agora na Presidência da ANAÍ, do jornalista e também companheiro, hoje, de Câmara de Vereadores, o Vereador Antonio Hohlfeldt, do Partido dos Trabalhadores, de Hilda Zimermman, aqui presente, e de inúmeros outros que organizaram aquele seminário, em que figuras como Darcy Ribeiro; como Orlando Vilas Boas; Silvio Coelho dos Santos, da Universidade de Santa Catarina, trouxeram a debate a centenária questão de dominação de espoliação dos povos indígenas deste país. E, a partir desse seminário, em maio de 1977, houve todo o desencadeamento de um processo que agora chega na Constituinte em que os povos indígenas do Brasil, a exemplo dos povos indígenas das chamadas minorias étnicas do mundo inteiro, começaram a deixar de ser apenas objeto de teses muitas vezes ilustradas, mas teóricas e alienantes e alienadas para assumirem um papel de sujeitos da História em nosso País. Então é de se registrar aquele esforço pioneiro da ANAÍ, com o Assis, com o Antonio Hohlfeldt, com o próprio Lutzemberg, a partir da Agapan, que emprestou grande esforço à organização desse seminário que desencadeou a partir daí a luta de organização, em que começaram a participar o Conselho Indigenista Missionário da Igreja Católica, confissões outras religiosas e entidades civis que foram brotando pelo País, como a comissão pró-índio de São Paulo, como a Comissão pró-índio do Rio de Janeiro. Mas foi a ANAÍ, indiscutivelmente, no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, nesse esforço pioneiro de recuperar e valorizar a luta dos povos indígenas para, em primeiro lugar, assegurar a garantia de seus direitos à terra, à cultura, de seus direitos à identidade, foi ela que desencadeou esse processo. Hoje, já podemos contar em nível nacional com uma entidade dos próprios índios, que é a União das Nações Indígenas, cujo nascimento o sistema autoritário procurou entravar, alegando que seria uma nova forma de aparelhagem subversiva, mas que, com o apoio das comunidades indígenas, hoje assume personalidade jurídica, até, em nível nacional e leva suas propostas ao debate na Constituinte. Portanto, Sr. Presidente, companheiros aqui presentes, Vereadora Jussara Cony, Ver. Flávio Coulon que honram este ato por seu prestigiamento, nós queremos deixar registrado o transcurso do 10º Aniversário de Fundação da Associação Nacional de Apoio ao Índio. Mas que esta comemoração seja, também, o momento de nova reflexão para a permanência de lutas das comunidades indígenas, com o apoio que a cosciência nacional empreende pela demarcação de, pelo menos, 32 milhões de hectares das terras, reconhecidamente pertencentes às cento e poucas comunidades que hoje ainda existem neste País.

É preciso que o trabalho efetuado junto à Constituinte; através das listas populares, uma das quais é encabeçada pela ANAÍ, pelo Conselho Indigenista e outras Entidades, motivadas para a questão indígena, é preciso que se consubstancie na forma da proposta popular apresentada que prevê a demarcação dos territórios indigenista, a garantia das culturas tribais contra o assédio secular de parte dos grupos envolventes, os grandes grupos econômicos da sociedade dita civilizada.

Agora mesmo, um novo e sério risco paira sobre as comunidades indígenas, é o do chamado “Projeto Calha Norte”, patrocinado pelos serviços da assim chamada segurança nacional que postula sobre o pretexto de salvaguardar o país de pseudo contaminações ideológicas, postulam o estabelecimento de oito bases militares numa área de 6.500Km2, compreendida entre Tabatinga, no Amazonas, e o ponto extremo do Oiapoque, em que vinte comunidades indígenas estarão à mercê de sofrerem o impacto destruidor, tão conhecido de sua identidade como povo e como cultura. Então, trata-se de reclamar do Congresso Nacional, a explicitação desse Projeto, o debate público desse Projeto pelos parlamentares e pelas entidades da sociedade civil brasileira, a fim de que, dentro de uma linha pretensamente de proteção da nacionalidade, não se estabeleça mais uma forma de dominação e destruição para as culturas indígenas do nosso País. Para concluir, Sr. Presidente, Srs. Vereadores e participantes desta Sessão Solene, queremos saudar uma vez mais os dirigentes da Associação Nacional de Apoio ao Índio, e saudar em especial, também, esta figura admirável do Prof. Arnoud Sampaio, um autêntico servidor público, que devotou sua já longa existência ao trabalho de proteção e compreensão das culturas indígenas, notadamente os guaranis, e que honra este Ato com a sua presença, insistindo que é preciso que este País, pela compreensão da identidade cultural dos povos indígenas, dos seus direitos fundamentais à coexistência com a sociedade envolvente, assim chamada civilizada, que  esse reconhecimento, além de se corporificar no texto constitucional, passe a ser o reconhecimento de toda a Nação Brasileira, como um estado plurianual, em que as diferenças étnicas não sirvam para esmagar e para oprimir, mas antes para demonstrar toda a riqueza cultural que apresentam, sob todos os ângulos, inclusive sob o ângulo político, em que já foi estabelecido o caráter extremamente democrático das sociedades tribais. É preciso então que este País, num momento de tanta apreensão, mas ao mesmo tempo em que pode ensejar, verdadeiramente, a construção de uma nacionalidade socialmente justa, economicamente equilibrada e culturalmente também democrática, é preciso que, neste momento de transição e de constituinte, se exalte o trabalho de uma entidade do porte da ANAÍ, cuja fundação, já dissemos no início, foi um verdadeiro marco na recuperação para a História deste País, dos povos indígenas, como verdadeiros sujeitos e não mais como objeto de opressão da sociedade dominante. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): A palavra com o Professor Mário Arnaud Sampaio.

 

O SR. MÁRIO ARNAUD SAMPAIO: (Saudação Indígena.)

Meus caros, distintos, conterrâneos, patrícios, amigos.

Não tenho mais nada a dizer sobre o que devam fazer porque já estão fazendo. Uma coisa que eu tanto desejava que houvesse dentro deste Brasil, alguém que tivesse olhos para ver, ouvidos para ouvir, mãos para escrever, pés com forças e pernas longas para andar por este Brasil indígena como eu andei desde o tempo da minha mocidade. Não posso dizer o quanto são bons os nossos índios, dependendo em parte da maneira como são tratados, porque o nosso índio nunca foi escravo, o nosso índio a começar, não digo dos aborígines do Brasil, eu falo mais sobre os tupis, os guaranis. Sou descendente de tupi, sou descendente do caramuru, sou descendente da paraguassu. Tenho muito orgulho disto. E mais orgulho eu tive quando tive a oportunidade, ainda moço, de conviver com os índios grãos, da margem esquerda do Rio do Sono, um rio que é afluente do Tocantins, no Estado de Goiás, um pouco abaixo da cidade de Marabá, no Maranhão. Índios maravilhosos. Como vive aquela beleza de amor, compreensão entre todos, sem necessidade de alguém lhes mandar fazer alguma coisa ou dirigir o cacique, porque o cacique é sempre o cacique, mas trabalha tanto quanto qualquer outro para viver. Aprendi um pouco do grão – é uma língua interessante, muito interessante, mas afeiçoei-me muito mais ao guarani, embora tenha também conhecimento do caingangue, que caingangue é da mesma raça ou é uma única nação dividida em muitas outras nações pequeninas ou tribos dispersas por este todo Brasil, desde o Amazonas ao Rio Grande do Sul, nós encontramos índios da mesma nacionalidade. Descobri isto em uma ocasião, no meu posto onde eu governava, administrava um posto de caingangues. Houve uma tempestade, mas, antes disto, um trovão. Eu me lembrei da palavra trovão na língua dos grãos, do Rio do Sono – notem a diferença de distância entre o Rio do Sono, em Goiás, Norte de Goiás, e o Rio Grande do Sul, aqui onde estive, na serra – eu disse em grão que eu tinha ouvido o trovão, o relâmpago, e um dos índios olhou para mim e sorriu, balanceou a cabeça e disse em português: “Vem mesmo, chefe”.Eu fiquei admirado. Por que “vem mesmo”, se o chefe disse que vem chuva? Mas eu falei em graô. O interessante é que a língua dos aborígines do Brasil deveria ter sido uma única. Agora, há tribos com línguas completamente isoladas que nós muitas vezes não sabemos de onde vieram... É uma coisa assim como o basco da Espanha. Mas o basco da Espanha tem muita coisa do aimará aqui do Brasil e muita gente não sabe. Quanto ao guarani, o Paraguai é um país bilíngüe; ninguém sabe. Há muito professor bom que não sabe que o Paraguai é um país bilíngüe. A língua mais falada de fato é o guarani. O castelhano é falado mais nas cidades grandes e já é um pouco misturado com o guarani. E o país continuará sendo bilíngüe pelos séculos e séculos. Nunca deixará de ser bilíngüe porque é a língua do povo, é a língua do amor. São muito felizes; mais do que uma língua é o guarani um poema. No Peru falam três línguas. Muita gente boa não sabe que o Peru é um país trilíngüe. Tem aimará, que é a língua natural; tem o castelhano, que é a língua invasora; mas tem o quixuá, que muita gente pensa que o quixuá é língua de um povo. Não é língua de um povo, não é língua de uma nação, porque o quixuá é falado em quase toda região andina e ouvi um camarada dizer que numa certa região do México há quem fale um dos 37 dialetos do quixuá. O quixuá foi formado por imposição de um inca, para melhor dominar as outras etnias do planalto andino, porque os incas não tinham lá muita gente para formar uma nação potente, uma nação poderosa. Então, criaram a Quixuá, formado pelo Aimará, pelo Xiriguano, pelo Cacan, pelo Caxaque e pelo Guarani, que entrou com muita palavra dentro do Quixuá. A propósito de palavras que existem no nosso linguajar quotidiano, quero tocar numa que a mocidade interessante, vaidosa, fala muito e os homens que não gostam de tomar banho de chuveiro, também, pois vão lá dentro tomar banho de sauna. Então, dizem que é uma palavra finlandesa. Eu contesto. É muita coincidência! O banho de sauna (sic), é formado por vapores de água quente em locais fechados. O vapor faz com que enxerguemos pouco, o ambiente torna-se meio escuro, daí, o olho escuro, o olho preto: sauna. E mais ainda: há um peixe, em nossas águas, que tem o nome de sauna, porque ele tem o olho preto. Então, eu não creio que sauna seja um nome finlandês, porque aplicado a um banho de vapor. São essas coisinhas que os nossos bons professores, bons estudiosos, não procuram achar uma maneira para que o nosso povo fique sabendo que nós não andamos usando tantas palavras estrangeiras, que vêm do outro lado do mar. São daqui. Agora, o nosso dicionário, o nosso vocabulário quotidiano traz muita palavra Guarani que, para muitas pessoas, são desconhecidas. Vamos dizer: “O fulano não pode comer algo pesado; faça um “mingau para ele”. Mingau é um termo genuinamente guarani; não foi aumentado nem adulterado. Na hora da comida, vem um prato de picado com ossos, temperados; do caldo, com a farinha de mandioca, faz um “pirão”. Pirão: essa é a pronúncia dentro do guarani. O “piron”, pirão, dá no mesmo. É palavra guarani. Não chegaremos nas outras, que já vieram para a rua: é o guri, o xiru, etc. Temos, ainda, o xiripá, nome quichoa, que entrou no linguajar gaúcho. Não, não é. É nome guarani que entrou no quichoa, na sua formação. Como essa, tem o guasca, etc.

Na Inglaterra, falasse o galês e o inglês; nunca mudará isso; na Bélgica continuarão o francês e o flamengo; na Suíça, o alemão, o francês, o italiano e o flamengo; no Peru, como disse, o aimará, o castelhano e o quixuá – essa é uma espécie de Esperanto, elaborada pelo Guarani, aimará, araucano, xiriguano, cal-caxi e caingangue. Foi o inca que mandou elaborar essa língua para ter mais força e dominar as outras etnias, porque ele era um povo pequeno. Com a língua, ele dominaria outros povos melhor. Então, ela foi mandada até pelos incas. Agora, os guaranis se retiraram do Alto dos Andes, porque não queriam se submeter à autonomia ou prepotência dos incas, porque se julgavam e são, tão poderosos, tão conquistadores, tão guerreiros, quanto os incas, então acharam melhor descer os Andes. A primeira leva não se sabe em que época, naturalmente, a terra estava terminando de formar-se, de endurecer a sua crosta. As palavras todas do guarani são mais ou menos produzidas por fenômenos terrestres.

Então eles tiraram a língua guarani dos fenômenos da natureza, dos fenômenos naturais.

Nos dizemos: isto aqui é uma mesa, mas não temos conhecimento porque chama-se mesa. Aquilo é assoalho, mas não temos conhecimento porque é um assoalho. Muitas poucas palavras do português dizem o que é. Mas, o guarani diz o que está vendo.

Posso falara aqui porque estou falando no meio de gente adulta. E se pode ouvir uma história muito interessante com referência à sabedoria de muitos sábios que toma conta do birô, de uma repartição pública e ninguém, absolutamente, sabe mais do que ele. Ele é quem dita as regras e acabou-se.

Aqui temos a zona do Caingangue, temos Erexim, Campo Pequeno; temos Ere-Bam, Campo Grande; temos Campo-Erê, quer dizer Campo das Pulgas, a palavra campo quer dizer pulga, e a palavra erê quer dizer campo. Um sabido entendeu de consertar a língua dos índios, cortou o “m” ficou capoerê que não quer dizer coisa nenhuma, nem em caingangue, nem no guarani. Mas ele achou que a palavra estava errada. Mas eu perguntei para o chefe índio: porque é capuerê, não é capoerê, é Campo-Erê. Ele disse é campoerê. Quer dizer: campos das pulgas. Aqui no Rio Grande o fenômeno das pulgas, não sabe se algum dos senhores já sentiu na carne a onda de pulgas que em certa ocasião, de tanto em tanto tempo, elas avançam numa frente de quilômetros e demora sete semanas. A gente coloca uma roupa pela manhã cedo e quando chega ao meio dia tem que se trocar porque tudo está sujo de pulgas. Então, o remédio é este: procura-se pegar sete pulgas, faz umas orações e atira as pulgas para o lado do poente. Mas isto tem que ser feito durante sete semanas, que é o tempo de duração das pulgas. É uma oração muito eficaz. Os Guaranis se atiraram, descendo pela planície, depois de rodearem o continente sul-americano, uma parte se apossou onde é hoje o Paraguai; outra desceu e foi até o sul da Patagônia. As levas continuaram descendo os Andes, rodeando a planície que é hoje o Brasil. Fizeram a volta por cima, entraram âmago adentro, subindo o Tocantins, Paraguai, se localizaram em lugares estratégicos. Outras levas vieram formando um cordão pela orla marítima até chegar ao Rio de Janeiro. As outras foram descendo, fazendo a volta pelo sul até chegarem aqui nos estados do sul e localizou-se em São Paulo também. Em São Paulo encontrei ainda uma tribo Guarani. Bueno, dessas, algumas subiram a América Central afora, foram deixando o seu registro nas cachoeiras, nos montes, nos rios, até hoje nós podemos encontrar palavras guaranis dentro do território norte-americano. Temos palavras, ali, guaranis, simplesmente guaranis, mas no sul, perto do México, temos a Yucatã. Yucatã está escrita com “Y”. Este “Y” foi criado pelos jesuítas espanhóis para fazer dele o “j” português. Escreviam com “Y” com a pronúncia de “j”. O brasileiro tomava o “Y” por “i”. Então, tinha a palavra “Jará”, que chamam “Yara”, quer dizer senhora das águas, que é uma pura mentira. “Yara” quer dizer “Jara”, quer dizer: senhor ou senhora, proprietário ou proprietária. Ainda temos “Ubirajara, Ubiratã”. Foi a pronúncia melhor que encontramos para dizer “Uyrajara”, quer dizer árvore, aquilo que será terra. Nós ficamos sabendo o que ela será depois de caída no chão, depois de morta.

Há outras coisas mais interessantes. Por exemplo: o ouro. O que é ouro? Porque chamamos aquele metal amarelo de ouro? Alguém pode me dizer? Não? Nem eu sei, também. E não tive nenhum professor que me explicasse porque que aquele metal amarelo, nobre, chama-se ouro. No entanto, um guarani diz, perfeitamente, o que é o ouro: “quarepotiju”; que é a mina, o buraco, a cova; re é um sufixo de passado; poti é um nome bonito; misturado com os outros, mas poti quer dizer excremento, borra, fezes; ju quer dizer amarelo. Então de trás para diante, começando em ju: “amarelo, que foi borra da mina”. É uma língua tirada da natureza, o índio não inventou nenhuma palavra, ele viu a coisa e disse. Ele viu uma mesa pela primeira vez, com uma porção de coisas diversas em cima dela. Então o que pode ser isso aí? Um objeto ou um aparelho, que tem tudo em cima; então a chamou de “aripacá”. Pronto, está feito o nome da mesa. E assim como essas palavras, já muita coisa interessante. Um cidadão aí, metido a sabido, quis fazer uma crítica e disse: “Imaginem onde ele foi achar guarani! Nas Antilhas!” Se ele soubesse..., o guarani foi até à Europa! Aí, ele ficaria louco! O guarani é um povo dominador, que não tem medo; é um povo conquistador, guerreiro. Temos uma língua antiqüíssima, já morta, o sânscrito que, está dentro do guarani. O guarani oficial diz “mano”; mas uma tribo guarani diz “manu” com a mesma significação da palavra na língua da Ásia, da Índia. No sânscrito, “manu” quer dizer morrer. Há até uma poesia interessante. Muita gente pensa que o índio não tem alma, não tem coração, não tem sentimento. Eu ouvi um índio dizê-la a uma moça: “... (declama poesia em Tupi-Guarani).

A tradução será de pé quebrado: “Eu quisera ser a brisa suave do campo, para beijar tua boca e agonizar depois.”

Em Guarani não existe a palavra “beijo”. Uma coisa tão boa, não é? Há uma outra palavra, que pode ser traduzida por beijo. Nesta frase, o índio diz: “comer tua boca”, não diz beijar.

É uma língua interessante, mas a maioria dos meus patrícios não está acostumada a ouvir e torna-se enfadonha.

A sua força de expressão transcende do vocábulo e sempre sugere mais do que diz; quando se analisa a fundo a origem de certos vocábulos guaranis, temos a impressão ou a sensação de que se toca no fundo mesmo do mistério que envolve a origem da linguagem humana. O castelhano é História. O espanhol é ferro, é bronze, vale de lágrimas, é um idioma dúctil, senhorial. O castelhano, ao contrário do guarani, foi formado à plena luz, à vista de todo o mundo, é reprodução broto ou caule, eco ou linguagem mais antigas, é nota medieval, a conquista brutal, a servidão, a linda noite colonial, a religião da carne, do pranto e do ouro, o império da cobiça, do egoísmo, assim depois, desde os dias iniciais da conquista, o espanhol e o guarani, idioma, sangue, cultura entram em proporção diversa e variável na formação de um novo povo. O povo guarani não é esta coisa. A prova de que fomos para lá, para o Oriente, e que não foram eles que vieram aqui e se tornaram índios os mongóis, e que não trouxeram o arroz, porque se eles tivessem vindo de lá para cá tinham trazido o arroz aqui para a América, e quando os descobridores brancos, europeus vieram, não encontraram arroz. Por que não trouxeram arroz e as outras granilhas comestíveis que havia lá no Oriente? Deveriam ter trazido. Logo, não foram os mongóis nem chineses ou quem quer que seja do Oriente que tenha vindo para cá e se embrenharam aqui se fizeram índios. Não. Fomos nós, guaranis, que saímos daqui e tomamos conta do mundo inteiro, porque a palavra pé foi formada quando a crosta da terra estava endurecendo, o “pul”. Então, o nosso “pé”, em guarani, chama-se “pul”. Em italiano, em francês, em espanhol, a palavra pé é quase a mesma coisa.

Espero que não tenham se incomodado muito com a minha arenga. Não sei falar. A minha parte toda foi junto com o índio e o índio não sabe falar o português e o pouco que eu sabia misturei muito com o índio. Eu fico... “(Expressão indígena.)”. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): Muito bom a gente ouvir uma aula assim, praticamente das origens do povo indígena. É realmente maravilhosa esta aula recebida aqui do professor Mário Arnoud Sampaio, indianista e pesquisador.

Agora vai fazer uso da palavra a Sra. Cristina Vigiano, Vice-Presidente da Associação Nacional de Apoio ao Índio – ANAÍ.

 

A SRA. CRISTINA VIGIANO: Bem, depois da aula do Prof. Mário fica difícil até a gente falar alguma coisa, porque acho que deixou muita coisa na cabeça da gente.

Eu tenho toda a nominata da Mesa aqui, mas eu vou dispensar, sou uma pessoa muito informal e eu acho que numa hora dessas tenho que me dirigir diretamente a vocês, o pessoal aqui da mesa, os companheiros, vocês que estão aí no plenário assistindo à Sessão, companheiros de luta que é pessoal da ecologia que eu estou vendo e eu só queria deixar registrado o seguinte: nós da ANAÍ, nos sentimos muito lisonjeados com esta homenagem aqui na Câmara e nós, no início do ano, nos demos conta que temos dez anos de luta, então, eu acho que o mais importante já foi colocado aqui  pelo Ver. Caio Lustosa, que é um dos fundadores da entidade, o importante é que no momento, lá em 77, foi um passo que foi dado. Um grupo de pessoas se uniu e resolveu partir para a luta. Vamos dizer a gente vai tentar daqui para frente fazer alguma coisa em apoio à população indígena do Brasil, em vista do que estava acontecendo na época e, mais adiante, teve toda uma questão na tentativa de emancipação do índio pelo Governo Federal Aquilo foi uma loucura, um horror, Darci Ribeiro fazendo palestra pelo Brasil inteiro. Houve toda uma mobilização muito grande e uma conscientização de muita gente, inclusive aqui em Porto Alegre, onde surgiu a ANAÍ. E nós, e eu particularmente estou na entidade desde 82, mas o que a gente vê e sente no nosso trabalho do dia a dia, em contato com as lideranças indígenas do Rio Grande do Sul e às vezes do Brasil, quando é possível a gente encontra-los, acho que é a nossa maior satisfação, porque é uma luta que a gente não pode assim pensar: bem vamos fazer isso que vai dar resultado, assim, assim. Não é nada disso: é uma luta que a gente tem que acreditar na coisa, estar disponível e ter muita fé. Acho que vale a luta da gente junto com as comunidades e ver, por exemplo, o resultado que foi o surgimento da União das Nações Indígenas, UNI, porque acho que essas lideranças indígenas que resolveram eles próprios assumir a luta deles como povos outros que são dentro deste País, é um fruto de trabalho das entidades de apoio, como nós, por exemplo, a Comissão Pró-Índio, e tantas outras entidades que trabalham em prol da causa indígena no Brasil inteiro. O surgimento da UNI e o assumir das lutas pelos próprios índios, acho que é a maior satisfação que a gente tem. E daqui para diante a luta continua porque apesar de a gente estar na Nova República, acho que não mudou nada em nível da política indianista oficial. É um horror, sempre foi e ainda é, é uma coisa muita fechada, os órgãos oficiais não investem ou não apóiam as comunidades indígenas, muito pelo contrário, eles, acho, estão trabalhando por outros interesses que não os da comunidade, por isso que a ANAÍ existe, para apoiar a luta dos povos indígenas, já que o governo federal nunca assumiu ou deu liberdade para que esses povos se determinassem e assumissem a sua própria cultura e seu modo de vida. É realmente um dos pontos que a gente está lutando dentro da Constituinte. Só queria agradecer a iniciativa do Caio, nosso companheiro de luta, e do pessoal aqui da Casa e de vocês, que compareceram aqui e a gente quer continuar com o apoio de vocês, que, para nós, é imprescindível, para nós e, principalmente, para as comunidades indígenas. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): Meu amigo, Ver. Caio Lustosa, eu gostaria de cumprimentar V. Exa. pela idéia brilhante de ter solicitado esta Sessão Solene em homenagem ao 10º aniversário de fundação da ANAÍ. Realmente, estou gratificado nesta tarde, pois até havia dito ao Ver. Caio Lustosa e a outros Vereadores que eu teria que sair mais cedo para atender a um compromisso às 17 horas, mas resolvi até retardar esse compromisso dada a importância do pronunciamento que ouvi do Professor Mário Arnaud Sampaio. Realmente, fiquei encantado em ouvir coisas que nunca havia ouvido em minha vida com relação à formação da língua Guarani, da importância e do surgimento do Guarani e da importância do guarani para os demais povos, a penetração que teve o Guarani nos demais povos das demais regiões. Isso, para mim, foi encantador. Eu até perguntava ao Presidente da ANAÍ se o Professor Arnaud Sampaio não tinha algum livro publicado a respeito desta matéria e soube que ele tem mais de um livro publicado e uma das primeiras coisas que farei, será ler um dos livros do Professor, porque gostei tanto da sua palestra que quero penetrar mais nesses mistérios. Infelizmente, para mim, que sou membro dessa sociedade pseudoprogressista, é segredo tudo aquilo que diz respeito à origem do nosso povo. Pretendo realmente ler algum livro publicado pelo Senhor, Professor, para conhecer a origem daquilo que hoje somos todos nós aqui, origem essa, que, infelizmente, nós matamos no dia a dia, até pelo que disse a Cristina; pela falta de apoio das nossas autoridades às causas indígenas.

Muito obrigado a todos os Senhores, meus parabéns a todos os que participaram e, mais uma vez, parabéns ao Ver. Caio Lustosa pela idéia desta Sessão Solene, esperando que daqui para frente a ANAÍ siga cada vê mais firme e que nós possamos aqui ter outras Sessões brilhantes como esta em homenagem a uma ANAÍ cada vez mais forte, propiciando cada vez mais a sobrevivência dessa cultura maravilhosa que é a cultura indigenista. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): Nada mais havendo a tratar. Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h18min.)

 

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